Se já corres há algum tempo, talvez tenhas notado que nem todos aterramos da mesma maneira ao correr. E se investigaste um pouco, é provável que tenhas ficado com a ideia de que a maneira menos eficiente de correr é aterrar com o calcanhar. Antes de começares a tentar mudar a tua forma de aterrar desesperadamente, recomendo que leias este artigo. Já vi atletas obcecados em mudar a sua pisada de calcanhar para a ponta do pé e vice-versa, esperando milagres no seu desempenho ou na prevenção de lesões. E a verdade é que não existe uma receita única: a forma de aterrar está ligada à tua anatomia, aos teus ritmos e à tua experiência. No entanto, conhecer as vantagens e desvantagens de cada estilo pode dar-te pistas para optimizar a tua técnica e proteger-te melhor.
Aterrar com o calcanhar: o mais habitual em corridas leves e para quem começa a correr
Em que consiste?
Basicamente, o primeiro contacto com o solo das sapatilhas de running ocorre na parte posterior do pé, onde se concentra a maior parte do amortecimento do modelo. Após esse impacto inicial, o peso transfere-se para o antepé em questão de décimas de segundo.
O que diz a ciência
O estudo de Lieberman et al. (Nature, 2010) indica que a maioria dos corredores populares, especialmente a ritmos superiores a 5 min/km, aterra com o calcanhar. Isso está associado a um pico maior de força no joelho, mas o calçado moderno geralmente compensa essa força extra com bons designs de amortecimento.
Vantagens
- Ideal se manténs um ritmo moderado e procuras "apoiar-te" no amortecimento do calçado.
- Permite correr confortavelmente sem um grande stress muscular na zona da panturrilha (gémeos, sóleos...)
Desvantagens
A ritmos mais rápidos (abaixo de 4:00 ou 4:15 min/km), tende a gerar certo travão: cada passada ‘quebra’ um pouco a inércia do ciclo da pisada.
Pode agravar desconfortos no joelho ou na anca se a técnica de corrida não estiver bem adaptada.
Aterrar com o mediopé: equilíbrio e controlo em distâncias médias
Em que consiste?
O mediopé ou a zona central do pé faz contacto ao mesmo tempo — ou quase— que a região do calcanhar. Podemos visualizá-lo como um “apoio plano”, onde não existe um contacto explícito da ponta do pé ou do calcanhar primeiro.
O que diz a ciência
Vários estudos (Daoud et al., Med Sci Sports Exerc, 2012) sugerem que o impacto é melhor distribuído pela panturrilha e pelo tendão de Aquiles, reduzindo a força na zona do joelho. Isso não significa menos lesões, mas sim um outro padrão de distribuição de cargas.
Vantagens
- Melhora a transição calcanhar-ponta e reduz a "força de travagem" na passada.
- Adequado para corridas de 10K ou meia maratona onde se mantém um ritmo intermédio, aproveitando alguma elasticidade do tornozelo.
Desvantagens
Quem está habituado a aterrar de forma marcada com o calcanhar precisa de tempo para se adaptar. Os gémeos podem ficar sensíveis.
A ritmos muito lentos (5:30-6:00 min/km), o corpo por vezes procura naturalmente o calcanhar, pelo que forçar isso pode ser desconfortável.
Aterrar com a ponta: explosão e exigência
Em que consiste?
Neste caso, a parte frontal (metatarso e dedos) toca o solo antes de tudo o resto. Imagina um velocista na pista.
O que diz a ciência
Para corridas de velocidade, é a forma natural de aproveitar o ciclo elástico do tendão de Aquiles e da musculatura do pé. No entanto, em distâncias longas, uma aterragem de antepé constante pode sobrecarregar excessivamente a zona gémeo-sóleo (Kulmala et al., Gait & Posture, 2013).
Vantagens
- Ritmos explosivos: Dá-te um plus de reatividade e faz-te sentir uma passada "ágil" se estiveres habituado.
- Maior utilização do tendão de Aquiles como mola.
Desvantagens
Risco alto de sobrecarga se não tiveres bem trabalhada a musculatura de gémeos, sóleos e pés.
Difícil de manter em corridas longas, a menos que sejas um corredor muito leve e com excelente técnica de corrida.
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Vamos a isso!Qual é mais eficiente e qual causa menos danos?
A eficiência
Quer aterremos com o calcanhar ou com a ponta do pé, o custo energético depende mais da tua técnica global e da tua cadência do que propriamente do tipo de pisada. Muito se tem estudado sobre como aterrar “mais à frente” (tipo mediopé) reduz a travagem, mas se não adaptarmos o resto da mecânica (cadência, inclinação do tronco, etc.), poderíamos não ganhar eficiência real.
O tema das lesões
Nenhum tipo de pisada é um passe livre. Um aterrar com o calcanhar pode sobrecarregar o joelho e a anca; um com a ponta do pé, o tendão de Aquiles e a fáscia plantar. No final, trata-se de compensar as tensões com exercícios de força e técnica.
Casos de estudo
Entre corredores de elite que competem em maratona, há variedade: alguns continuam a fazer contacto com o calcanhar ligeiramente, outros focam-se mais no mediopé. E obtêm grandes resultados igualmente, desde que a sua técnica esteja integrada num gesto coordenado e treinado.
Devo mudar de pisada ou manter a minha?
Se nunca te lesionaste e os teus ritmos são confortáveis, forçar uma mudança agressiva no teu 'footstrike' pode trazer problemas. Por outro lado, se aterras muito de calcanhar e tentas correr rápido, talvez seja benéfico educar o teu corpo para um apoio mais à frente, de modo a moderar essa travagem.
Adaptação progressiva: Sempre começo por recomendar exercícios de técnica (skipings, alongamentos dinâmicos, fortalecimento do tornozelo) e pequenas progressões. Se desejas um 'footstrike' mais avançado, começa com 5-10 min de corrida em mediopé durante um treino e gradualmente aumenta esse tempo.
Força muscular: É essencial trabalhar os gémeos, sóleos e pés com exercícios simples como elevações de calcanhares, mini-saltos, agachamentos, etc.
Não se trata "da maneira ideal", mas de entender o teu corpo
Em suma, existem três formas de aterrar: com o calcanhar (mais comum em ritmos lentos, com maior carga no joelho), com o mediopé (equilíbrio e menos impacto no joelho, mas requer adaptação) e com a ponta do pé (mais explosiva, embora coloque intensa carga no gémeo e na fáscia).
Mais eficiente? Depende do seu ritmo, técnica e força. Menos propenso a lesões? Também depende: cada um distribui as cargas de maneira diferente. E é possível correr decentemente de qualquer uma das três formas se a técnica global for adequada.
O fundamental é que se observe, idealmente com um profissional em biomecânica. E se decidires mudar, fá-lo com bom senso, tempo e exercícios de força para as áreas envolvidas. Cada um tem o seu padrão natural, e respeitá-lo "com ajustes graduais" costuma ser a melhor receita para desfrutar de correr sem conflitos com lesões.
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