Se já dominas os 10 quilómetros, completaste várias corridas dessa distância ou tens treinado consistentemente nesse intervalo, talvez estejas a considerar avançar para a meia maratona. Sim, é verdade, pode parecer intimidante. É normal teres dúvidas, mas também é natural que a curiosidade te leve a querer explorar esses 21,097 km. A mudança é significativa: não é apenas o dobro da distância, é um desafio que exige mais resistência aeróbica, melhor gestão de ritmos e uma estratégia nutricional adequada.
Mas não te preocupes, vou tentar ajudar-te a enfrentar essa transição com um plano que te dê segurança, baseado em evidência científica e na prática desportiva real. Este artigo é pensado para ti, que desejas dar esse salto e precisas de um roteiro claro para treinar o teu corpo (e a tua mente) para alcançar esse objetivo. Prepara as sapatilhas que vamos começar...
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Vamos a isso!Por que é que a meia maratona é diferente?
Mais tempo na zona aeróbica
A nível fisiológico, a maioria dos corredores completa os 10K em 40-60 minutos. A meia maratona, por outro lado, ultrapassa a hora e meia para o corredor médio. Segundo vários estudos do International Journal of Sports Physiology and Performance, a capacidade de manter um ritmo próximo ao seu lactate threshold (ou limiar de lactato) por mais de 70-80 minutos torna-se determinante. Em outras palavras, não basta apenas "sofrer forte" como num 10K; é necessário tolerar uma intensidade um pouco mais baixa, mas sustentá-la pelo dobro do tempo.
Estratégia de combustível
Nuns 10K, talvez não te preocupasses muito com beber ou ingerir géis. Numa meia maratona treinar a oxidação de gorduras e a utilização de hidratos de carbono torna-se mais relevante. O glicogénio muscular pode esgotar-se se não preparaste o teu corpo para corridas mais longas ou se não levares algum tipo de abastecimento.
Avaliação inicial: Estás pronto para avançar?
O teu nível atual
- Consegues completar 10k com relativa facilidade a ritmos suaves?
- Praticas corrida de forma regular há pelo menos 6-8 meses (3 dias por semana ou mais)?
- Já participaste em pelo menos um par de corridas de 10K e conheces o teu ritmo médio?
Check up de saúde
É crucial descartar lesões e obter uma autorização médica, especialmente porque o teu volume de quilometragem vai aumentar entre 20 a 30% durante a fase de preparação.
Teste de base
Realiza uma corrida de 12-14 km a um ritmo muito calmo: observa se terminas muito fatigado/a ou se a musculatura sofre. Este "mini teste" indica até que ponto o teu corpo tolera maiores distâncias.
Fase 1: Construir uma base sólida (4-6 semanas)
Objetivo: Elevar progressivamente a tua capacidade aeróbica e habituar as tuas articulações, tendões e músculos ao aumento de quilometragem. Aqui, a palavra-chave é progressão.
Tarefas que vamos incorporar
Rodagens fáceis (entre 30 e 60 minutos): Cerca de 75-80% da tua FCmáx ou a um ritmo em que possas manter uma conversa completa sem te sentires ofegante.
Treino de força: Segundo pesquisas do Journal of Strength & Conditioning Research, 2 sessões semanais de força (agachamentos, lunges, trabalho de core...) melhoram a economia de corrida e reduzem o risco de lesão.
Técnica e velocidade básica: Integra sprints curtos (8-12 segundos) em subida ou em plano no final de uma corrida leve (2-3 repetições). Isto desenvolve potência e não sobrecarrega muito o sistema.
Aumento de volume
Um aumento de 10% semanal ou a cada duas semanas no teu quilometragem total. Se, por exemplo, corrias 35 km/semana após os 10K, sobe para 38-39 na primeira semana e mantém por algumas semanas para assimilar.
Fase 2: Treinos específicos (6-8 semanas)
Aqui começam os treinos direcionados especificamente para a meia maratona. Após a base, introduzimos sessões chave:
Limiar de lactato ou "threshold runs"
Fundamental para manter ritmos próximos ao teu objetivo numa meia maratona.
Estudos do American College of Sports Medicine (ACSM) demonstram que treinar a 85-90% da FCmáx (ou ~ritmo de corrida de 60 minutos) melhora a resistência à fadiga lática.
Exemplo: 20-25 minutos a um ritmo "incómodo mas estável" (4-5 palavras por frase). Evoluir até 30-35 minutos contínuos ou divididos em 2x20 com 2 minutos leves entre blocos.
Corrida longa progressiva
É o núcleo do plano. Passa de correr 12-14 km para 18-20 km gradualmente. Adiciona um bloco a ritmo "maratona" ou "meia maratona" (por exemplo, últimos 20 min a um ritmo 10-15 seg/km mais lento que o teu objetivo).
A evidência sugere que as corridas longas não devem exceder 30% do volume semanal total para evitar o 'over training'.
Intervalos controlados
Embora a meia maratona se corra mais lentamente que os 10K, não deves esquecer uma certa velocidade. Sugestão: 6-8 repetições de 800 m ou 1 km, a um ritmo ligeiramente mais rápido que o teu pace objetivo da meia, descansando 90 seg.
Novamente, a chave é a regularidade: não procures "morrer" em cada repetição, mas sim manter um ritmo estável.
Treino de força e estabilidade
Mantém 2 dias semanais de 20-25 min de exercícios de força (peso livre ou autocargas) focados em quadríceps, isquiotibiais, glúteos e zona central. A meia maratona exige uma musculatura resistente.
Fase 3: Aperfeiçoar detalhes e taper (2 semanas finais)
Redução de volume
Mantém a intensidade, mas reduz entre 20 a 30% o total de quilómetros na penúltima semana e entre 40 a 50% na semana anterior à corrida.
Assegura-te de não fazer corridas superiores a 60-70 minutos nessa última semana.
Sessão chave
Entre 7 a 10 dias antes, realiza um teste de 6 a 8 km ao ritmo pretendido para a meia-maratona. Isso dar-te-á confiança e ajudará a ajustar as sensações.
Controla a tua hidratação, ingestão de carboidratos e descanso. Um bom sono nesses dias é tão importante quanto o treino.
Um pouco de ritmo na corrida
Na terça ou quarta-feira antes da prova, corre 30 minutos suaves + 5-6 acelerações de 20 segundos para relembrar o estímulo de velocidade sem causar fadiga.
Plano diário (exemplo simplificado de 8-10 semanas)
Tem em mente que não estamos a começar do zero. Já tens meses de treino, já participaste em várias corridas de 10k... Se este é o teu caso, podes continuar a ler:
Semana 1-2
Segunda-feira: Descanso ou corrida muito leve (30 min)
Terça-feira: Corrida de 45-50 min + 3 sprints em subida
Quarta-feira: Força no ginásio (agachamentos, lunges, core)
Quinta-feira: Corrida de threshold 2x10 min (com 2 min leves entre cada repetição)
Sexta-feira: Descanso
Sábado: Corrida progressiva (40-50 min)
Domingo: Corrida longa de 12-14 km
Semana 3-6
- Aumenta o volume da corrida longa (até 16-18 km).
- Corrida de limiar passa para 3x10 min ou 1x25-30 min.
- Intervalos: 6-8x800 m a um ritmo 10-15 seg/km mais rápido que o objetivo na meia maratona.
- Mantém treinos de força 1-2 dias por semana.
Semana 7-8
- Long run atinge os 18-20 km.
- Threshold: 30-35 minutos contínuos a ritmo de lactato.
- Ajusta o descanso se te sentires sobrecarregado.
Semana 9-10 (Taper)
- Reduz o volume (20-30% menos).
- Um teste final de 6-8 km a ritmo de corrida 7 dias antes da prova.
Última semana: Treinos leves (30-40 min) + 1-2 dias de descanso total.
Conselhos Nutricionais
Duração > 75 min: Considera 30-60 g/h de carboidratos (geis, barras ou bebidas) em treinos longos de mais de 90 min.
Experimenta em treinos: Não experimentes nada novo no dia da corrida. Faz testes com geis ou bebidas isotónicas durante os teus percursos de 16+ km.
Evitar as armadilhas mais comuns
Aumentar o volume demasiado rápido: Risco de lesões (fascia, periostite, etc.). Mantém a progressão de 10%.
Treinar sempre ao mesmo ritmo: O corpo habitua-se, alterna dias leves com dias de limiar ou intervalos.
Esquecer a força: As pernas precisam de robustez para aguentar 21 km.
Não descansar o suficiente: É desnecessário dizer que sem recuperação, não há adaptação.
O teu caminho para os 21K
Dar o salto dos 10k para a meia maratona é um desafio apaixonante e alcançável se planeares com inteligência. Constrói uma base sólida com corridas leves, introduz treinos de limiar e long runs progressivas e não te esqueças da força e da recuperação. Apoiando-te na evidência científica e na experiência de milhares de corredores, poderás preparar o teu corpo para enfrentar esses 21 quilómetros com maior confiança. Não existem atalhos: a chave é a constância e a adaptação gradual. Se cuidares de cada passo deste caminho, a meia maratona será uma aventura gratificante e, quem sabe, talvez apenas o prelúdio de uma maratona. Vemo-nos na meta!
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